sábado, 26 de janeiro de 2008

A voz, o talento e o carisma de Mingas na prevenção da Sida

A cantora Elisa Domingas Jamisse, a Mingas, é uma das mais cultuadas celebridades em Moçambique. A sua música, uma mistura de afro com destaque para ritmos de origem chope, do Sul do País, embalou plateias no mundo todo. Com uma trajectória sólida e reconhecida, tanto em trabalhos a solo quanto em parcerias com ícones como Miriam Makeba e Jimmy Dludlu, Mingas arrancou aplausos no mega concerto em comemoração dos seus 30 anos de carreira em Maputo, em Dezembro.
Mas o seu percurso coincide com o desenrolar de outro capítulo importante na história de Moçambique. Enquanto o País assistia ao desabrochar da jovem artista, a SIDA também começava a ganhar espaço.
A pandemia tem hoje pouco menos de 30 anos. Na época pouco sabia-se sobre o tópico. Mingas faz parte de uma geração de artistas que viu carreiras interrompidas precocemente por causa da Sida – segundo ela, por falta de informação.
A cantora notou a SIDA quando passou a participar de digressões internacionais, em 1987. A doença já havia atingido a comunidade artística na Europa. Músicos de outras nacionalidades perguntavam sobre a epidemia em África. “Foi aí que vimos que havia alguma coisa grave, mas não tínhamos acesso à informação. Nós não sabíamos de nada”, lembra.
Ela recorda-se que, quando voltava à sua terra natal e comentava o assunto, era encarada com incredulidade. “Muitos achavam que a SIDA era apenas uma história para que a população diminuísse o número de parceiros, ou comprasse mais preservativos, ou tivesse menos filhos”, conta.
Segundo Mingas, devido ao estilo de vida, artistas – músicos, artistas plásticos, actores, escritores – tornaram-se uma comunidade particularmente vulnerável ao HIV. “Pela natureza do nosso trabalho, somos rodeados de fãs, e muitos artistas descuidam-se, não se protegem. Perdemos vários músicos por causa da SIDA”, conta.
Com o avanço da epidemia, os artistas passaram a abordar o tema nas suas canções, telas e novelas. Porém, destacou Mingas, contraditoriamente esse engajamento no discurso não acompanhou a acção. “Muitos não conseguem diminuir o número de parceiros ou não praticam sexo seguro”, afirma.
“Nós participamos de campanhas, cantamos, escrevemos, mas ainda não mudamos o comportamento.” Uma das iniciativas para mudar essa situação foi a fundação, em Janeiro, do Fórum Artistas da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral Contra HIV e SIDA (SAAAF).
O SAAAF é resultado de uma declaração feita por artistas de Moçambique, Lesoto, Suazilândia, Zâmbia e Zimbábue num festival em Harare, Zimbábue, em Novembro de 2007. O Fórum fará pesquisa sobre HIV e SIDA e fornecerá dados sobre artistas a viver com a doença, além de criar uma rede de contactos com outras organizações de serviços para o HIV na região.
“Eu acho que mais pessoas e mais envolvimento para falar desse problema é o que é necessário”, diz Mingas. A nova instituição também abordará os governos da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, a comunidade internacional e indivíduos para auxiliar os artistas a lidar com a pandemia e capacitar o comité executivo a alcançar os seus objectivos. Uma das tarefas do Fórum é encorajar todos os artistas a submeterem-se à testagem voluntária e garantir que eles recebam o apoio necessário.
“Os artistas não têm conseguido ajuda das organizações existentes”, disse o artista Setephen Chifunyise, porta-voz do Fórum. “Como resultado, muitos morreram em silêncio e isolamento, sem suporte dos seus colegas, organizações de arte e instituições que trabalham com HIV.”
Apesar dos esforços feitos em relação à SIDA em Moçambique, Mingas reclama das campanhas. “Algo está a falhar, porque os índices de contágio continuam altos em algumas regiões do país”, diz. “Devemos ´moçambicanizar´ as mensagens relacionadas à SIDA para que todos as percebam sem dificuldades.”
Por isso, ao ver a epidemia espalhar-se em Moçambique, resolveu colocar em prática o seu talento e usar a sua voz inconfundível para falar sobre o assunto. O alcance universal da música e o seu carisma como artista eram perfeitos para a tarefa. O seu engajamento rendeu-lhe em 2002 a participação no lançamento do CD Vidas Positivas, um projecto da organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras, com a faixa solo Xini Xiku Kluphaku, cuja tradução é O que te preocupa na vida?.
A música, que ainda lhe rende elogios, havia sido escrita em 1997, mas só veio a ser gravada em 2002. É, nas palavras da própria Mingas, “um convite para que as pessoas se abram”. “Pensei nessa música porque o estigma é uma das coisas que mais mata. Queria dizer ´Por mais que o seu problema seja a Sida, abra-te, porque assim conseguimos prolongar os nossos dias de vida´”, conta.
Segundo ela, O que te preocupa na vida? sempre mexe com o público. “Todos se emocionam porque a maioria das famílias já perdeu alguém devido à SIDA”, conta. “É triste também, porque a música lembra que o problema existe de facto.”
Fonte: Plurinews

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