As duas cheias consecutivas que assolaram o centro de Moçambique em 2007 e 2008 poderão culminar no êxodo de mais de 250 mil pessoas ao longo de todo o vale do Zambeze e na reconfiguração da região.
No ano passado, a alta das águas do rio Zambeze já provocou a deslocação de cerca de 160 mil pessoas na região. Este ano, a contagem oficial já supera as 90 mil. Estima-se que vivam no vale do Zambeze cerca de 260 mil pessoas.
Em sua maioria, os desabrigados pelas cheias - habitantes das zonas baixas ao longo do vale do rio Zambeze - foram acolhidos em locais designados pelas autoridades moçambicanas como "centros de reassentamento" (o termo "acomodação", usado no ano passado, foi abandonado por sugerir caráter transitório).
O objetivo do Governo moçambicano, segundo João Ribeiro, director-adjunto do Instituto Nacional de Gestão das Calamidades (INGC) de Moçambique, é motivar as pessoas transferidas para os centros de reassentamento a se fixarem definitivamente nesses locais e não voltarem às áreas de risco.
A intenção das autoridades moçambicanas é fazer destes locais uma espécie de novas localidades no mapa de Moçambique, com "pólos de reconstrução e de desenvolvimento" na região. Para isso, os recém-chegados recebem pedaços de terra.
Está sendo equacionada - em alguns locais, até executada - a substituição das tradicionais construções de madeira por habitações de tijolo, bem como o fomento de actividades que possibilitem um rendimento para a população, como agricultura e artesanato.
Tal como no ano passado, o maior desafio das autoridades moçambicanas é evitar o regresso em massa das milhares de pessoas que agora fogem das cheias do Zambeze (na maioria, pequenos agricultores de subsistência) às regiões baixas, às quais estão ligadas há várias gerações.
Nas partes mais baixas, a fertilidade da terra é superior à das zonas altas, onde se situam os centros de reassentamento.Há quem considere, como o padre espanhol Fernandez Prieto, responsável pela missão católica de Murraça, uma das zonas mais afectadas pelas cheias no vale do Zambeze, que este êxodo era evitável se houvesse uma gestão mais eficaz das descargas efectuadas pela barragem de Cahora Bassa.
"As cheias aqui não são por causa das chuvas, são só por causa de Cahora Bassa. Cahora Bassa quer estar sempre cheia. Se eles querem guardar tudo isso por causa do negócio da electricidade, então deveriam pagar as casas destruídas", diz o religioso.
"Se começa a chover e o rio sobe, a gente vê isso devagarzinho. Mas Cahora Bassa vem de repente, às vezes durante a noite. Não há tempo para tirar nada. Só agarrar as crianças", acrescenta.
Em Murraça desde 1967, o padre vai mais longe e afirma: "Isto é desejado, para tirar as pessoas dos seus lugares. Há uma intenção clara do Governo de tirar aquela gente toda dali".
Para o missionário a intenção é "expulsar os camponeses e dar as terras a empresas"."Isso não é verdade, nem no ano passado, nem este ano", refuta João Ribeiro, elogiando a hidroelétrica de Cahora Bassa pela gestão que tem feito das descargas de água em direção ao vale do Zambeze.
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